A DESCONEXÃO ESPIRITUAL COMO FATOR EXISTENCIAL NO SOFRIMENTO PSÍQUICO
Uma Abordagem Interdisciplinar entre Teologia, Filosofia e Psicologia
Autor: Pedro Oliveira
Resumo
Este trabalho propõe uma leitura interdisciplinar do sofrimento psíquico humano à luz da desconexão espiritual com Deus. Com base em fundamentos da teologia cristã, da filosofia existencial e da psicologia contemporânea, defende-se a hipótese de que a dimensão psicológica pode, em muitos casos, refletir a ausência de integração espiritual com o Criador. A partir de uma abordagem teórico-reflexiva, são analisadas as implicações dessa desconexão para a saúde mental, e propõe-se a reconexão espiritual como caminho possível de cura e restauração interior.
Palavras-chave
Desconexão espiritual, sofrimento psíquico, teologia, filosofia existencial, psicologia, sentido da vida.
Brasil – 2025
Sumário
Introdução …………………………………………………………………………….. 3
Capítulo 1 – Fundamentos Teológicos da Desconexão Espiritual ………. 4
Capítulo 2 – Fundamentos Filosóficos da Interioridade ……………………. 7
Capítulo 3 – A Psicologia e a Espiritualidade no Sofrimento Psíquico …. 10
Capítulo 4 – Integração Interdisciplinar e Caminhos de Reconexão …….. 13
Conclusão …………………………………………………………………………… 16
Introdução
O ser humano é, por natureza, um ser em busca de sentido. Essa busca, que atravessa culturas, épocas e tradições, parece estar enraizada em uma inquietação existencial profunda, frequentemente expressa na forma de sofrimento psíquico. Na contemporaneidade, observa-se um crescimento expressivo de transtornos como depression, ansiedade, angústia existencial e vazio interior — sintomas que desafiam tanto a ciência quanto a espiritualidade a oferecerem respostas. Diante desse cenário, este trabalho propõe uma hipótese interpretativa: a de que a dimensão psicológica do ser humano pode ser compreendida, em parte, como uma expressão da espiritualidade desconectada de Deus.
A presente pesquisa adota uma abordagem interdisciplinar que integra contribuições da teologia cristã, da filosofia existencial e da psicologia contemporânea. Parte-se da premissa de que o ser humano, criado à imagem de Deus, possui uma constituição ontológica que abarca corpo, alma e espírito. A queda descrita nas Escrituras não apenas rompeu o vínculo com o Criador, mas também gerou desordem interior, resultando em sofrimento existencial e psíquico. Assim, a psicologia, ao lidar com os conflitos, angústias e patologias da mente, pode estar, muitas vezes, lidando com sintomas de uma ferida espiritual mais profunda: a ausência de Deus no centro do ser.
Do ponto de vista filosófico, pensadores como Agostinho, Pascal e Kierkegaard já apontavam para o drama da interioridade humana, marcada por uma tensão entre finitude e transcendência. Kierkegaard, por exemplo, descreve o desespero como a enfermidade da alma que desconhece sua origem divina. Pascal afirma que existe no ser humano um “vazio em forma de Deus” que nada pode preencher. Essas reflexões encontram eco na psicologia existencial, especialmente na obra de Viktor Frankl, que identifica o “vazio existencial” como um dos grandes males do nosso tempo, e na psicologia da religião, que reconhece a espiritualidade como fator protetor da saúde mental.
É importante, no entanto, esclarecer que esta abordagem não busca reduzir a psicologia à teologia, nem atribuir causas exclusivamente espirituais a todos os sofrimentos mentais. Ao contrário, trata-se de um esforço integrativo, que reconhece a complexidade do ser humano e propõe um diálogo respeitoso entre saberes. A desconexão espiritual aqui tratada não é sinônimo de pecado moralizado ou culpabilização religiosa, mas sim de uma ruptura ontológica com o fundamento do ser, que repercute existencial e psicologicamente.
Dessa forma, o presente trabalho pretende contribuir para a compreensão do sofrimento humano a partir de uma perspectiva mais abrangente, propondo que a reconexão espiritual — seja por meio da fé, do autoconhecimento ou do reencontro com o sentido da vida — possa representar um caminho de restauração integral. A investigação se dará por meio da análise crítica de textos teológicos, filosóficos e psicológicos, visando construir uma base epistemológica que fundamente essa articulação interdisciplinar.
Capítulo 1 – Fundamentos Teológicos da Desconexão Espiritual
A antropologia bíblica apresenta o ser humano como uma unidade complexa, formada por corpo, alma e espírito (1 Tessalonicenses 5:23). Essa visão tripartite não deve ser entendida como uma separação de naturezas, mas como uma forma de descrever as múltiplas dimensões da existência humana. O corpo representa a dimensão física e relacional com o mundo material; a alma, a sede da vida emocional e racional; o espírito, a capacidade relacional com o transcendente, com o Criador.
A teologia cristã compreende que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:26-27), e que essa imagem reflete não apenas atributos morais e racionais, mas, sobretudo, uma vocação para a comunhão com Deus. A espiritualidade, nesse contexto, não é um acessório da existência, mas sua essência: o homem é um ser essencialmente espiritual, vocacionado a viver em dependência, adoração e relacionamento com o Criador.
Ellen G. White afirma que “em cada ser humano há uma capacidade para Deus, uma disposição natural para o sagrado, que é obscurecida, mas não destruída pelo pecado” (White, Educação, p. 17). Essa “capacidade para Deus” é o que torna o espírito humano inquieto quando separado de sua Fonte.
Com a entrada do pecado no mundo, narrada em Gênesis 3, a humanidade experimenta uma ruptura em sua relação com Deus. Essa separação espiritual é, na teologia cristã, a causa primária da morte — não apenas física, mas existencial e espiritual. Romanos 3:23 declara: “Todos pecaram e carecem da glória de Deus”, e Isaías 59:2 afirma que “os vossos pecados fazem separação entre vós e o vosso Deus”.
Teologicamente, essa separação não é apenas um distanciamento moral, mas uma desconexão ontológica: a essência espiritual do ser humano é desligada da sua fonte de vida e sentido. O espírito humano, criado para ser templo do Espírito Santo (1 Coríntios 6:19), torna-se vazio, fragmentado e incapaz de restaurar por si mesmo essa comunhão perdida.
A desconexão espiritual, portanto, não é apenas um evento histórico, mas uma condição existencial herdada. É nesse estado de alienação que o ser humano tenta reorganizar sua existência por meio da razão, da vontade ou da emoção — sem sucesso duradouro. O resultado é frequentemente um estado de angústia, desorientação e dor interior.
No pensamento cristão, o sofrimento não é apenas um efeito do mundo caído, mas também uma expressão da desordem espiritual provocada pela separação de Deus. O salmista clama: “Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus” (Salmos 42:5). Aqui, a alma é apresentada como aflita porque perdeu sua referência no divino.
A teologia reformada entende que o ser humano, mesmo em estado de queda, mantém uma consciência da ausência de Deus. João Calvino denominou essa sensação de “sensus divinitatis” — um instinto natural do ser humano de buscar a Deus, ainda que obscurecido pelo pecado. Esse senso, porém, quando frustrado, pode ser vivido como angústia, vazio e desespero.
Ellen G. White, em O Desejado de Todas as Nações, afirma: “As almas podem tentar se preencher com prazeres terrenos, mas nenhuma dessas coisas pode curar o coração humano separado de Deus.” Assim, o sofrimento emocional e existencial pode ser lido como uma expressão de uma espiritualidade ferida — uma tentativa frustrada da alma de viver sem seu Fundamento.
A boa nova do evangelho reside na possibilidade de reconciliação entre Deus e o ser humano. Em 2 Coríntios 5:18, o apóstolo Paulo declara: “Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Jesus Cristo”. A restauração da espiritualidade acontece por meio da fé, do arrependimento e da comunhão com Cristo, que é o mediador entre Deus e os homens (1 Timóteo 2:5).
A teologia da reconciliação propõe que, ao restabelecer a conexão com Deus, o ser humano encontra não apenas salvação eterna, mas também cura existencial e integridade psicológica. O Espírito Santo, habitando no crente, restaura progressivamente a harmonia entre as dimensões do ser, produzindo paz, equilíbrio e sentido.
Portanto, do ponto de vista teológico, o sofrimento psicológico pode ser compreendido — em parte — como sinal da desconexão espiritual, e o caminho para a restauração plena passa necessariamente pela reconexão com Deus, fonte de toda vida e significado.
Capítulo 2 – Fundamentos Filosóficos da Interioridade
A filosofia cristã patrística, especialmente em Santo Agostinho, é um ponto de partida indispensável para compreender a interioridade humana como dimensão espiritual. Em sua obra Confissões, Agostinho narra seu percurso existencial de angústia e busca até encontrar descanso em Deus, resumido em sua célebre declaração: “Fizeste-nos para Ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti” (Agostinho, Confissões, I,1).
Para Agostinho, a experiência de vazio, angústia e contradição moral é um reflexo da alma que se afastou de sua origem e fim último — Deus. O ser humano é um peregrino interior que, ao afastar-se da luz divina, entra em crise, desorientação e sofrimento. A introspecção, para Agostinho, não é fim em si mesma, mas o caminho para reencontrar o divino no mais profundo do eu.
Essa interioridade agostiniana influencia fortemente a tradição cristã ocidental e oferece uma base ontológica e existencial para compreender o sofrimento psíquico como manifestação de uma alma desordenada, desintegrada e distante de seu princípio espiritual.
Séculos mais tarde, Blaise Pascal retoma essa tradição interior com profundidade psicológica e apologética. Em seus Pensées, Pascal escreve:
“No coração do homem há um vazio em forma de Deus que nada pode preencher, senão Deus mesmo.” (Pensées, fragmento 148)
Para Pascal, o ser humano é simultaneamente grande e miserável: grande porque foi criado para o infinito; miserável porque perdeu esse infinito e vive sob a condição da queda. Essa tensão provoca uma crise existencial inevitável: buscamos preencher o vazio com distrações, prazeres, poder ou conhecimento — mas nenhum deles satisfaz.
Pascal nos oferece, portanto, uma chave de leitura da angústia moderna como um eco do divino ausente. O sofrimento interior não é sinal de fracasso moral apenas, mas da tentativa do homem de viver como se Deus não existisse, uma autonomia que gera fadiga espiritual, desordem emocional e desespero silencioso.
No século XIX, Søren Kierkegaard leva ainda mais longe a reflexão sobre a interioridade humana e o sofrimento como crise espiritual. Em sua obra A Doença até a Morte, ele afirma:
“O desespero é a enfermidade mortal — não querer ser o que se é diante de Deus.”
Kierkegaard define o desespero como a condição da alma que perdeu a si mesma ou se recusa a aceitar-se como criatura dependente do Criador. Para ele, o ser humano é uma síntese de finitude e infinitude, de temporalidade e eternidade — e quando essa síntese se rompe, surgem a angústia, o medo e o desespero.
Ele diferencia tipos de desespero: o inconsciente (quando o indivíduo não sabe que está desesperado) e o consciente (quando o ser humano reconhece sua crise, mas recusa-se a voltar-se para Deus). Em ambos os casos, o sofrimento psíquico é lido como expressão de uma falha na relação do eu consigo mesmo e com Deus.
A proposta kierkegaardiana sustenta a hipótese deste trabalho: a dor psicológica profunda pode revelar uma espiritualidade fragmentada, que precisa ser restaurada pela fé e pela reconciliação com o divino.
Com o advento do Iluminismo e o avanço do secularismo, a filosofia ocidental testemunha a erosão da metafísica e do sagrado. Autores como Nietzsche proclamam a “morte de Deus”, e com isso a perda das referências últimas de valor, verdade e sentido. Nietzsche, ao mesmo tempo em que denuncia o vazio deixado por Deus, também diagnostica o niilismo — o colapso de todos os significados — como o preço dessa ausência.
Martin Heidegger, por sua vez, identifica no homem moderno uma existência inautêntica, marcada pelo esquecimento do Ser. Sua concepção de “ser-para-a-morte” coloca o indivíduo diante da finitude e da necessidade de encontrar sentido mesmo sem garantias absolutas.
Essas correntes, ainda que não partam de uma teologia cristã, reconhecem a falência da autonomia humana em produzir sentido duradouro, e expõem a fragilidade da psique moderna diante da ausência de transcendência.
As filosofias da interioridade oferecem um importante alicerce para a proposta deste trabalho. Elas demonstram que o sofrimento psíquico não é um fenômeno exclusivamente clínico, mas frequentemente um clamor existencial, um grito da alma que perdeu sua direção, seu fundamento e sua identidade diante de Deus.
Dessa forma, o sofrimento humano pode ser lido como uma expressão filosófica e espiritual da “desconexão” — termo que neste trabalho indica tanto uma ruptura ontológica quanto relacional. A reconciliação entre o eu e sua origem transcendente torna-se, portanto, não apenas uma necessidade teológica, mas também uma proposta terapêutica e filosófica para a cura da interioridade.
Capítulo 3 – A Psicologia e a Espiritualidade no Sofrimento Psíquico
Tradicionalmente, os modelos psicológicos e psiquiátricos abordaram a saúde mental com base no paradigma biopsicossocial, considerando fatores biológicos, psicológicos e sociais como interdependentes no desenvolvimento de transtornos mentais. No entanto, nas últimas décadas, pesquisadores e clínicos passaram a reconhecer que essa tríade não é suficiente para explicar plenamente o sofrimento humano. Surge, então, a proposta de incluir a dimensão espiritual como um quarto eixo fundamental da saúde — abrindo espaço para uma compreensão mais ampla e integrada do ser humano.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconheceu oficialmente a espiritualidade como um dos determinantes do bem-estar. Isso impulsionou estudos em psicologia da religião, psicologia transpessoal e psicologia existencial, consolidando a espiritualidade como uma categoria relevante tanto no diagnóstico quanto na intervenção clínica.
Nessa perspectiva ampliada, a espiritualidade não se limita a práticas religiosas, mas envolve a busca por sentido, valores, propósito e conexão com algo maior que o próprio eu — elementos profundamente implicados nos estados de equilíbrio e sofrimento psíquico.
Viktor Frankl, psiquiatra austríaco e fundador da Logoterapia, representa uma das contribuições mais significativas para a integração entre psicologia e espiritualidade. Sobrevivente dos campos de concentração nazistas, Frankl desenvolveu sua abordagem terapêutica com base na observação de que aqueles que sobreviviam ao horror não eram os mais fortes fisicamente, mas os que mantinham um sentido de vida.
Para Frankl, o ser humano é essencialmente movido pela vontade de sentido (der Wille zum Sinn), e a frustração existencial ocorre quando o indivíduo não encontra propósito em sua existência. Essa frustração pode se manifestar como tédio, depressão, vício, violência ou suicídio — sintomas psíquicos de uma crise espiritual.
“A busca pelo sentido é a principal motivação da vida do homem.” (Em Busca de Sentido, Frankl)
Frankl introduz a dimensão noética (espiritual) como constituinte do ser humano, ao lado das dimensões física e psíquica. A logoterapia, ao invés de medicalizar o sofrimento, propõe uma escuta que ajuda o indivíduo a reencontrar sentido mesmo na dor — o que se aproxima da teologia cristã do sofrimento redentor.
Carl Gustav Jung, fundador da psicologia analítica, também reconheceu a dimensão espiritual como essencial à saúde psíquica. Em sua obra, ele identifica a religião como estrutura do inconsciente coletivo, e interpreta símbolos religiosos como expressões arquetípicas profundas da alma humana.
Jung observou que muitos dos seus pacientes sofriam por uma espécie de “perda da alma”, ou seja, por uma desconexão com seu centro interior — que ele entendia como o Self, uma instância que refletia a totalidade do ser, muitas vezes simbolizada por Deus.
“A maioria dos meus pacientes não sofriam de conflitos psicológicos no sentido comum, mas de um vazio espiritual. Todos eles estavam buscando um sentido para a vida.” (Jung, Memórias, Sonhos, Reflexões)
Para Jung, o processo de individuação (a realização do eu verdadeiro) passa necessariamente por uma integração do sagrado. Ignorar essa dimensão leva a uma dissociação interna que se expressa em neuroses, angústias e crises existenciais.
Nos últimos anos, diversas pesquisas empíricas têm demonstrado que a espiritualidade atua como fator protetor da saúde mental. Pessoas com uma espiritualidade desenvolvida apresentam menores índices de depressão, suicídio, abuso de substâncias e estresse. Além disso, a fé tem sido associada à resiliência, à regulação emocional e à melhora nos quadros de ansiedade.
A psicologia da religião, subcampo que estuda a influência da religiosidade nas emoções e comportamentos humanos, também tem revelado que a qualidade da conexão espiritual é mais importante do que a simples adesão religiosa. Experiências espirituais profundas, práticas de oração, meditação e perdão têm efeito positivo mensurável na saúde mental.
Ao mesmo tempo, experiências de desconexão espiritual — como a perda da fé, sentimentos de abandono por Deus ou crises religiosas — estão associadas a maior sofrimento psicológico, especialmente em contextos de trauma, luto ou enfermidade. Essa associação reforça a hipótese central deste trabalho: a desconexão espiritual é um fator relevante no surgimento ou intensificação do sofrimento psíquico.
A psicologia clínica, especialmente em abordagens humanistas e existenciais, tem incorporado a espiritualidade como parte do processo terapêutico. Modelos como a psicoterapia baseada em sentido (logoterapia), a terapia da aceitação e compromisso (ACT) e intervenções integrativas corpo-mente-espírito propõem que a reconexão com valores e propósitos mais elevados é essencial para a cura interior.
Para indivíduos com tradição cristã, a fé, a oração e a leitura bíblica não são apenas expressões devocionais, mas recursos terapêuticos que favorecem o autoconhecimento, a esperança e a reconciliação interior. A psicologia não precisa necessariamente validar a doutrina religiosa, mas pode reconhecer seu papel funcional e restaurador na saúde do sujeito.
Assim, a espiritualidade, quando integrada com respeito e profundidade, torna-se um elemento terapêutico legítimo — não em substituição aos tratamentos convencionais, mas como parte de uma abordagem holística e interdisciplinar do sofrimento humano.
Capítulo 4 – Integração Interdisciplinar e Caminhos de Reconexão
Com base na análise teológica, filosófica e psicológica realizada nos capítulos anteriores, é possível afirmar que há um terreno comum entre essas disciplinas na identificação de uma ruptura essencial no ser humano contemporâneo. A teologia cristã fala da queda e da separação entre o homem e Deus; a filosofia aponta para a angústia de um ser lançado à existência sem garantias absolutas; a psicologia, por sua vez, identifica um sujeito em busca de sentido, constantemente tensionado por vazios emocionais e crises existenciais.
A hipótese deste trabalho — de que a dimensão psicológica pode ser uma expressão da espiritualidade desconectada de Deus — encontra respaldo consistente nessas três áreas. O sofrimento psíquico, sobretudo aquele de natureza existencial, pode ser compreendido não apenas como um fenômeno clínico, mas como o reflexo de uma desintegração ontológica, de uma alma que perdeu sua orientação, seu fundamento e sua identidade.
Essa leitura integradora não elimina os aspectos biológicos ou sociais do sofrimento, mas os situa em um horizonte mais amplo, capaz de oferecer interpretações mais profundas e terapias mais humanas. O ser humano é visto como unidade corpo-alma-espírito, e seu desequilíbrio em qualquer uma dessas esferas compromete a totalidade do seu ser.
A reconexão espiritual, do ponto de vista teológico, é operada pela graça, mediante a fé, na restauração da comunhão com Deus em Cristo. A partir da reconciliação, o Espírito Santo atua como agente de cura da alma, promovendo transformação de dentro para fora. Essa reconexão não é apenas um ato religioso, mas uma reintegração ontológica que devolve ao ser humano seu eixo de sentido, identidade e propósito.
Do ponto de vista filosófico, a reconexão espiritual responde ao anseio de interioridade autêntica, ao desejo de transcendência e à necessidade de habitar a própria verdade. Não se trata de uma fuga da realidade, mas de uma reorientação existencial que confere unidade entre ser, saber e viver.
Na psicologia, a reconexão espiritual se traduz em experiências de sentido, aceitação, perdão, transcendência e amor incondicional. Intervenções terapêuticas que favorecem esse reencontro com o eu mais profundo — que, para muitos, é também o encontro com o divino — promovem cura emocional, estabilidade mental e esperança renovada.
A abordagem interdisciplinar aqui defendida tem desdobramentos concretos em três frentes principais:
Psicólogos, terapeutas e psiquiatras que compreendem a importância da dimensão espiritual podem favorecer uma escuta mais profunda e personalizada. A inclusão da espiritualidade como dimensão clínica possibilita intervenções mais integrais, respeitando a cosmovisão do paciente e potencializando sua capacidade de resiliência.
Pastores, conselheiros e líderes religiosos podem se beneficiar dessa visão integradora para oferecer orientações mais sensíveis e embasadas. O sofrimento psíquico não deve ser visto apenas como fraqueza espiritual ou pecado, mas como uma oportunidade de acolhimento, reconciliação e restauração no corpo de Cristo.
Escolas, igrejas, famílias e instituições formadoras têm um papel essencial na educação espiritual das novas gerações, promovendo autoconhecimento, conexão com valores transcendentes e prevenção de sofrimentos existenciais. Quando o indivíduo é ensinado desde cedo a integrar sua espiritualidade com sua humanidade, ele se torna menos vulnerável à fragmentação emocional e existencial.
É importante reconhecer que a abordagem aqui desenvolvida possui limites epistemológicos. A espiritualidade é uma categoria interpretativa subjetiva, que pode variar conforme a tradição religiosa, a história pessoal e os pressupostos culturais de cada indivíduo. Além disso, nem todo sofrimento psíquico decorre de desconexão espiritual, sendo necessário sempre distinguir os fatores clínicos e psicossociais.
Entretanto, a potencialidade dessa proposta reside justamente em ampliar o olhar, romper com reducionismos e promover uma escuta mais sensível, compassiva e integradora. O ser humano é mais do que corpo ou mente: é também espírito — e seu sofrimento mais profundo, muitas vezes, nasce da ausência do encontro com Aquele que o criou.
Conclusão
O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz de uma abordagem interdisciplinar, a hipótese de que a dimensão psicológica do ser humano pode ser compreendida, em muitos casos, como uma expressão da espiritualidade desconectada de Deus. Para isso, foram integrados aportes das áreas da teologia cristã, da filosofia existencial e da psicologia contemporânea, com o intuito de oferecer uma leitura mais abrangente e profunda do sofrimento psíquico.
A partir da teologia, compreendeu-se que o ser humano foi criado como unidade corpo-alma-espírito, destinado à comunhão com Deus. A queda, entretanto, rompeu essa comunhão, gerando uma condição de separação espiritual que se manifesta em desordem interior, perda de sentido e fragilidade existencial. A teologia reformada, os escritos patrísticos e autores como Ellen G. White reforçam a ideia de que a alma humana experimenta inquietação e sofrimento quando se afasta de sua Fonte.
A filosofia da interioridade, representada por Agostinho, Pascal e Kierkegaard, deu sustentação ontológica e existencial a essa leitura. Esses pensadores identificaram, com profundidade, o vazio e o desespero humanos como sinais de uma alma desconectada de seu fundamento transcendente. Em vez de considerar a dor interior como mero desvio funcional, eles a interpretam como sintoma de uma crise espiritual — uma alma que perdeu a si mesma ao se afastar de Deus.
A psicologia contemporânea, por sua vez, especialmente nas abordagens existencial, analítica e da religião, reconhece que o sofrimento psíquico muitas vezes nasce da perda de sentido, da fragmentação interior e da ausência de conexão com dimensões mais profundas da existência. Viktor Frankl, Carl Jung e diversos estudos recentes mostram que a espiritualidade atua como um fator determinante no equilíbrio emocional, no enfrentamento de crises e na prevenção de patologias. A desconexão espiritual, nesses contextos, não é uma abstração teológica, mas uma realidade empírica mensurável.
Com base nessas contribuições, este estudo propôs que o sofrimento psicológico não deve ser reduzido nem espiritualizado de forma simplista, mas acolhido dentro de uma visão integral do ser humano. A reconexão com Deus — entendida como restauração espiritual, reencontro com o sentido da vida e reintegração da identidade pessoal — emerge como um caminho promissor de cura e plenitude. Essa reconexão não elimina a necessidade de apoio terapêutico, psiquiátrico ou comunitário, mas a complementa e aprofunda.
Entre as principais contribuições desta proposta, destacam-se:
Como limitação, reconhece-se que a abordagem aqui desenvolvida requer maior aprofundamento empírico e que sua aplicação prática deve ser feita com discernimento, respeitando o contexto individual de cada pessoa. Para estudos futuros, propõe-se investigar, com base empírica, os efeitos de intervenções terapêuticas que integrem espiritualidade e saúde mental, bem como desenvolver recursos formativos para profissionais da saúde e líderes religiosos que atuam nesse campo.
Conclui-se, portanto, que a dor psíquica pode ser, em muitos casos, o grito de uma alma afastada de sua origem, e que somente na reconexão com Deus o ser humano encontra paz duradoura, sentido verdadeiro e cura integral.
Referências
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FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 33. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
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PASQUALI, Luiz. Psicologia da religião. Petrópolis: Vozes, 2005.
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